A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal retomou nesta terça-feira o julgamento do processo de suspeição do ex-juiz Sergio Moro. O colegiado decide se acata ou não um pedido da defesa de Luiz Inácio Lula da Silva, que alega que o magistrado da Lava Jato foi parcial ao condenar o ex-presidente à prisão. Reiniciada em 9 de março, a análise do habeas corpus de Lula havia sido novamente paralisada por um pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, que nesta terça deu seguimento ao caso. Ele votou contra o pedido de suspeição. Com isso, o tribunal formou maioria, com três votos contra dois pela rejeição do pedido de Lula. Há, no entanto, uma expectativa de que a ministra Cármen Lúcia, que já votou a favor de Moro, leia um novo voto e, com isso, mude o placar.
Nunes Marques afirmou que os fatos alegados pela defesa de Lula “já foram analisados em outras instâncias” e que seria inviável a “reanálise” dos fatos. “Foram analisadas e rejeitadas”, disse. Segundo ele, aceitar o pedido de suspeição “desordenaria os ritos da lei processual”. “Convém não confundir o perfil de um juiz com o apoio às suas decisões por parte da sociedade”, disse o magistrado, emendando ainda que “considerar o estilo de um juiz detestável não justifica pedir sua suspeição”.
A suspeição é uma figura jurídica utilizada pelas partes de um julgamento quando existe receio de que a imparcialidade ou neutralidade do juiz esteja comprometida. Logo, na visão dos advogados de Lula, o ex-presidente não teve acesso a um julgamento justo como previsto na Constituição. O habeas corpus analisado nesta terça havia sido protocolado em novembro de 2018 pela defesa do petista e foi a julgamento em dezembro daquele ano até que um pedido de vista de Mendes suspendesse a análise da matéria. O ministro devolveu o caso para a Segunda Turma um dia após Fachin anular as condenações do ex-presidente nos casos do tríplex do Guarujá, sítio de Atibaia e compra do terreno do Instituto Lula, restaurando os direitos políticos de Lula e colocando fogo na corrida eleitoral para 2022.
Após o voto de Nunes, Mendes pediu a palavra e criticou abertamente Moro e o voto do colega: “É indecência falar em garantismo. Isso não tem a ver com garantismo nem aqui nem no Piauí, ministro Kassio”. Em outra referência direta ao voto de Marques, ele afirmou que “para dizer que isso tem alguma coisa a ver com uso de prova ilícita [no caso dos hackers], tem que buscar a justificativa no Código Penal da Rússia soviética, ministro Kassio”. De acordo com o magistrado, seu voto a favor do habeas corpus foi baseado em fatos que estão “nos autos e nada de conversa fiada de hacker e coisa do tipo! Estou falando do que está nos autos... as prerrogativas dos advogados foram vilipendiadas, ministro Kássio!”. Mendes mandou ainda uma mensagem aos colegas, ao afirmar que o Supremo está “num julgamento histórico e cada um passará para a história com seu papel. E ela não admite covardia. Isso aqui não é jogo de esperteza. Os falsos espertos acabam sendo pegos e desmoralizados”.
Logo após as falas de Mendes, Lewandowski foi outro ministro que pediu a palavra para deixar claro que seu voto se baseou apenas nos autos, e não em dados da Operação Spoofing ou outros materiais oriundos de mensagens hackeadas. Mas ele destacou ainda que uma série de áudios obtidos na Spoofing “deixam clara” a autenticidade do material. “Provas ilícitas, admitindo-se que sejam ilícitas, podem sim ser usadas a favor do acusado. Mas no caso deste habeas corpus não o foram”, concluiu.
Após ser alvo dos colegas, Marques pediu novamente a palavra, e afirmou que sua contribuição será “o silêncio”. “Não vou fazer réplicas ou tréplicas com relação ao meu voto, o meu silêncio é homenagem aos votos divergentes. Não tive intenção de desqualificar nenhum dos argumentos lançados por vossas excelências”, afirmou. Ele também se dirigiu a Mendes: “Quando nossa excelência diz que garantismo não é isso nem aqui nem no Piauí, isso pode ser entendido como uma forma de desprezar um colega e um Estado pequeno. Sei que o senhor não teve essa intenção”, disse.
Apesar do resultado desta terça, este pode não ser o último capítulo do caso. A Procuradoria-Geral da República defende que o julgamento da parcialidade de Moro seja levado para os 11 ministros do plenário do STF (cada Turma tem cinco integrantes). De acordo com o vice-procurador-Geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, a medida garantiria “segurança jurídica” à questão. A decisão sobre este ponto caberia ao presidente do Supremo, Luiz Fux, que ainda não se pronunciou sobre o assunto.
O caso de Moro é fundamental para o prosseguimento da Operação Lava Jato, que tem colecionado derrotas nos últimos meses. Isso porque caso fosse confirmada sua suspeição, as provas colhidas pelo Ministério Público Federal ao longo dos processos seriam anuladas, conforme afirmaram juristas ouvidos pelo EL PAÍS. Isso dificultaria os trabalhos da Justiça do Distrito Federal, para onde Fachin determinou que fossem enviados os processos de Lula no início de março. Havia um receio por parte dos petistas que a decisão do ministro, de anular as sentenças, mas mandar os processos para outro tribunal, visava uma redução de danos à Lava Jato, uma vez que o ex-presidente poderia ser julgado —e condenado— novamente no DF. Caso isso ocorresse, Lula poderia ficar de fora das eleições de 2022, caso a Justiça desse celeridade ao processo e ele fosse condenado em duas instâncias até a data do pleito, algo que seria mais fácil com a manutenção das investigações da Lava Jato.
Fonte: EL País
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